Plínio Bortolotti: “Falsidades”

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Plínio Bortolotti: “Falsidades”

01:30 | 12/10/2017

 

O leitor sabe o que é um documento “ideologicamente falso”? Confesso a minha ignorância: não tinha pleno esclarecimento, apesar de já haver lido dezenas de manchetes com o procurador Deltan Dallagnol afirmando que Lula anexara ao processo recibos de aluguel “ideologicamente falsos” para disfarçar a propriedade de um imóvel vizinho ao apartamento dele, em São Bernardo do Campo (SP).

Como a busca no Google pela expressão pouco ajudou, apelei para o advogado Fernando Castelo Branco. Ele me explica que a expressão tem o mesmo significado de “falsidade ideológica”, o artigo 299 do Código Penal.

Assim, fico sabendo a diferença entre “falsidade material” e “falsidade ideológica”. A primeira ocorre quando se falsifica um documento. Exemplo: um sujeito, para faltar impunemente ao trabalho, forja um atestado e a assinatura do médico. A segunda acontece quando se inserem informações falsas em um documento verdadeiro. Exemplo: um médico atesta uma doença inexistente para justificar um faltoso. Nesse caso, a assinatura do médico é verdadeira, o documento é verdadeiro, mas a informação nele contida é falsa.

Em resumo, o Ministério Público não nega a autenticidade dos recibos apresentados pela defesa de Lula nem da assinatura de Glaucos da Costamarques, que assina como proprietário do imóvel. Porém, o MP garante que os recibos são “ideologicamente falsos”, pois visariam acobertar o verdadeiro possuinte do imóvel. Lula até pode ser o dono do apartamento, mas o MP, pelo menos até agora, não apresentou nenhuma prova disso.

Além disso, mesmo sem conseguir esclarecer adequadamente os tortuosos termos jurídicos, muitos jornais, mantêm o chamativo “ideologicamente falso” piscando repetidamente nas manchetes, o que representa condenação prévia: quem é “falso” boa coisa não é; e se tem “ideologia” pelo meio, pior ainda.

Em um processo tão complexo, no mínimo, o MP deveria ter um pouco mais de prudência; mas como pedir recato para o aparecido do Power Point?

Plínio Bortolotti